França e Reino Unido vão dividir controle de armas nucleares
(FOLHAPRESS) – Apesar da recente reaproximação entre Donald Trump e seus parceiros europeus na Otan, as duas potências nucleares do continente decidiram se unir para coordenar o controle e o eventual emprego de seu arsenal atômico de forma independente.
Com isso, França e Reino Unido demonstram não confiar mais no guarda-chuva nuclear oferecido à Europa pelos Estados Unidos, cortesia da ambiguidade com que Trump trata a aliança militar. Na mira, a percepção de risco trazida pela Guerra da Ucrânia.
O anúncio foi feito pelo presidente Emmanuel Macron e pelo premiê Keir Starmer ao fim da visita de três dias do francês ao Reino Unido, a primeira de um chefe de Estado de Paris depois que Londres deixou a União Europeia, em 2020.
“De hoje em diante, nossos adversários saberão que qualquer ameaça extrema ao nosso continente vai levar a uma resposta imediata de nossas duas nações”, disse Starmer, que tem se destacado com uma política externa agressiva, em contraste com o desempenho tímido em casa.
Segundo Macron, um comitê irá trabalhar na coordenação dos arsenais e seu uso em caso de guerra. Ele tentou tirar o componente Rússia da equação, dizendo que a cooperação não tem nada a ver com a iniciativa franco-britânica de enviar uma força de paz para Ucrânia em caso de trégua na guerra iniciada em 2022, algo que Moscou rejeita.
Hoje, o Reino Unido trabalha seu arsenal, o quinto maior do mundo, dentro do chamado arcabouço nuclear da Otan. Assim, o planejamento relacionado às suas 225 ogivas atômicas é tratado no âmbito da aliança, ainda que evidentemente decisões sobre emprego das armas sejam privativas do governo local.
Já a França, quarta maior potência nuclear, opera suas 290 bombas de forma independente da aliança. Assim, haverá uma sobreposição de coordenações em Londres, mas Paris não ficará sob o controle da Otan.
Hoje, britânicos e franceses têm, cada um, quatro submarinos de propulsão nuclear armados com mísseis com ogivas atômicas. A França ainda tem 20 caças Rafale operando mísseis de cruzeiro nucleares, capacidade que o Reino Unido anunciou que desenvolverá comprando aviões americanos F-35.
Além disso, a Otan mantém cerca de cem bombas táticas, de uso teoricamente mais limitado, lançadas por caças em seis bases de cinco países da aliança. Todas elas são fabricadas e controladas pelos Estados Unidos.
Desde o fim da Guerra Fria, os EUA retiraram boa parte do seu arsenal nuclear da Europa, como parte de tratados agora rasgados por Washington e Moscou ainda no primeiro governo de Trump.
Apesar de ter sido bajulado na cúpula da Otan na semana retrasada, de onde saiu fazendo promessas de cooperação, os membros mais fortes da aliança querem tentar assegurar autonomia para dissuadir a Rússia.
Starmer tem sido enfático sobre isso, e Macron já havia oferecido posicionar alguns de seus Rafale com mísseis nucleares na Alemanha, aproximando o armamento das fronteiras russas. A justificativa europeia reside no fato de que Vladimir Putin postou armas atômicas táticas na sua aliada Belarus, junto à divisão com a Otan no Leste Europeu.
Moscou criticou duramente Macron à época, indicando que ele visava uma militarização nuclear perigosa do continente. É esperado que novas queixas surjam agora.
Na prática, o risco de conflito fica aumentado, mas tal coordenação franco-britânica não mudaria o rumo de uma guerra nuclear da Otan com a Rússia, potencialmente apocalíptica. Moscou e Washington abrigam quase 90% do arsenal nuclear do mundo, com a China num cada vez mais robusto terceiro lugar.